Eles eram bem pobres. Não pobres o suficiente pra passarem fome, mas pobres o suficiente pra não terem sapatos pra ir a escola. Pelo visto não eram os únicos naquela escola, mas ela tinha vergonha e escondia os pés debaixo da saia longa. No recreio não brincava. Ficava ali, escondendo os pés.
Isso até o primário. Depois disso o pai disse : lugar de menina é ajudando a mãe na cozinha. Chega de estudar. A mãe era bastante doente, um câncer indo e vindo. Por sorte, acabou indo e ela morreu bem mais velha, de outra coisa. Mas isso é outra história.
Ela saiu da escola contrafeita. Gostava de estudar.
Logo depois, o pai morre. A mãe, aquela com o câncer indo e voltando, teve que cuidar de tudo. A irmã mais velha foi trabalhar, a menor ainda era bem pequena e os dois do meio se viraram. Ela ficou com a mãe, na cozinha.
Aprendeu a cozinhar bem. Casou cedo. Teve quatro filhos. Uma morreu bem pequena, os outros “vingaram”.
A mais nova, nunca deixou chegar nem perto da cozinha. Filha minha tem que estudar. Pra trabalhar e pagar empregada, se quiser.
Quando o namoradinho da filha entrou na casa pela primeira vez, um longo discurso o esperava.
Nem pense em casar se ela não acabar de estudar.
Ela estudou. E quando casou, não sabia fazer nem mesmo um cafezinho.
Tudo bem. Café se aprende a fazer. Mas a estudar e ter independência, foi com ela que aprendi a importância.
Minha mãe e minha avó. As que lutaram antes de mim.