A marca era Brasil. Como nunca ouvi qualquer menção a essa marca, suponho que fosse vagabundo. O piano, que é disso que estou falando. O piano lá de casa.
Não era de cauda, não, era daqueles altos. Tampouco era de apartamento, era grande demais.
Ficava do lado direito de quem entrava na sala. Pensando bem, do lado esquerdo. Às vezes direito, às vezes esquerdo. Minha mãe, como eu, gostava de mudar as coisas de lugar. A sala era retangular, mas as opções para o piano ficar não podiam incluir a frente da janela nem no arco que dividia a sala de estar da de jantar. Então minha mãe ficava mudando ele de lugar, da direita pra esquerda, a cada seis meses, mais ou menos. A sala tinha ranhuras profundas no taco, encobertas por um tapete.
Lembro do fascínio que senti quando descobri que a tampa de cima abria e lá dentro – pasmei- um monte de teclas tortinhas de feltros que faziam som! Eu brincava de tocar ali direto. E usava pra esconder coisas dentro dele.
A cada tanto, vinha lá em casa o afinador. Um velho alemão, que mal ouvia.
Nunca contei que gostava de tocar “de dentro para fora”.
Um dia a situação financeira apertou bastante. Ele foi vendido. Bem barato, me lembro.
Doeu muito.