O mundo não acabou.
Tá certo. Acho que quando acabar mesmo, ninguém vai anunciar. Eu, se fosse o mundo, não anunciava. Pra pegar todo mundo assim, de surpresa. Tipo prova oral de química, nos meus idos. Todo mundo assim, sem se preparar, sem ter estudado, ser ter preparado colas, sem pensar.
Eu, se fosse o mundo, acabava de sopetão, porém devagarinho. Primeiro a escuridão, depois muita água, meio assim o dilúvio. Água é bom pra acabar e pra recomeçar. Não é a toa que batizam na água. E no fim, enchem a gente de líquidos, por sondas e por onde mais couber. Parece que líquido funciona legal no começo e no fim.
Eu, se fosse o mundo, acabava com um pouco de tortura. Psicológica. Uma das piores. Espalhar todo mundo, sem um saber do outro. Misturar gentes e continentes. Línguas. Uma Babel geográfica e idiomática.
Eu, se fosse o mundo, acabava.
E depois, se eu fosse o mundo, recomeçava.
Com tudo misturado tendo que se ajeitar. Homem, mulher, bi e sapa, criança e velho, inglês e escocês, negro e esquimó, baixos e altos, loiros e ruivos.
Sabe quando a gente enche o pote de biscoito e não cabe tudo? Aí a gente chacoalha pra tudo assentar e caber.
Eu se fosse o mundo, acabava e recomeçava assim.
Com um chacoalhão.
Eu, se fosse o mundo, não acabava com anúncio de calendário.
Eu, se fosse o mundo, não recomeçava com reza brava.
Eu, se fosse o mundo, ia rodar e rodar e rodar até todo mundo cair.