Meu pai trabalhou por anos e anos na região da Ladeira General Carneiro. Ela não era o camelódromo que é hoje, mas já era a rua das coisas baratas, perto da 25 de março. A rua “dos turcos”.
Era lá que ele nos comprava roupa de cama, mesa e banho. Era lá perto que ele comprava as coisas para o natal, no mercadão.
Era na 25 de março que ele comprava os poucos presentes que a gente ganhava.
Eu sempre digo: ele, porque minha mãe nunca comprou nada. Nem mesmo a própria roupa. Não sei porquê. Ela não fazia feiras, não fazia supermercado, nunca comprou uma calcinha ou soutien pra si mesma. Ele que comprava. Esquisito uma mulher assim, mas minha mãe era mesmo muito esquisita em muitas coisas.
Voltando no tempo, na época de natal eu e ela íamos ao centro encontrar meu pai. Descíamos no Anhangabaú e íamos a pé até a ladeira. No caminho havia não uma pedra, como dizia o poeta, mas a galeria Prestes Maia.
Que coisa mais linda! Foi a primeira escada rolante de São Paulo e da minha vida! Como esquecer?
No começo eu tinha medo de sair da escada rolante. Achava que se vacilasse ia ficar achatada, como nos desenhos animados. Eu sempre pulava no degrau anterior, apavorada. Com o tempo me acostumei. Minha mãe não. Até morrer, sempre usou escada comum.
No meio da galeria, entre um lance de escadas rolantes e outro, havia duas estátuas do Brecheret. Na época eu não sabia que eram dele, é claro. Eram duas mulheres, duas musas, eu acho. Lindas, bem fornidas e gostosas. Eu achava o máximo. Queria ser como elas quando crescesse. Não consegui. Enfim, não dá pra ter tudo.
E na saída da escada, enquanto meu pai não saia do serviço, minhas mãe e eu ficávamos esperando dentro da igreja que existe lá na praça. Era fresca, escurinha, um bom banco pra descansar. Ela não rezava não. Só usava a igreja pra descansar, mesmo. Eu, como sempre, ficava sentada admirando as estátuas e pinturas do teto.
Leio nos jornais de hoje que a galeria Prestes Maia foi inaugurada em 1955. E que hoje não sabem bem o que fazer com ela.
Ela é um pouco mais nova do que eu.
Me dá o que pensar isso.
Como assim, não sabem o que fazer com ela??