Tá bom, tá bom, já entendi o recado dos céus: são tempos de construir a arca. Chove há mais de 30 dias sem parar, as inundações pipocam mais que folião baiano e a coisa está preta. Melhor dizendo: cinza escuro.
Mas já se passaram mais de mil anos da última arca, acho que dá pra melhorar um pouco o projeto, mesmo minha especialidade sendo barquinhos de papel com capota ( pensa que é um barquinho comum?).
Vejamos: essa história de um casal de bichos de cada espécie. A noção de casal variou muito desde então e se diversificou. Há casais de dois diferentes, há casais de dois iguais, há casais até mesmo de um só e há ainda os famosos casais de três ou mais. Então isso deixa de ser critério. Vai é dar confusão.
Assim, como a arca é minha e eu construo do jeito que quiser e se alguém reclamar pego a bola e acabo o jogo, vou só botar bichos que gosto. Uns dez vira-latas, das mais variadas nuances e tamanhos. Todos com olhar pidão e pelo manchado.
Uns dois ou três gatos, pra não dizerem que não falei de flores.
Galinha nem pensar. Só um galo, que é pra eu ouvir ao longe e saber onde ele cantou. Tem gente que passa a vida inteira ouvindo o galo cantar sem saber aonde.
Vacas algumas. Aprendi a gostar. Delas vivas, porém, que carne de vaca nunca foi meu forte.
Coelhos são meio tontos, mas vá lá. Porquinhos da índia e porquinhos daqui mesmo, daqueles de rabo enrolado e nariz de tomada. Limpinhos, porém, que porco sujo não entra na minha arca.
Varias espécies de passarinho. Mesmo urubu, que sempre tiveram meu apreço pela atividade social que exercem.
Cavalos só os mansinhos e alguns jegues pra brincar, que não inspiram medo e hoje, ao que constam, não têm mais função. Foram substituídos pelas motos no interior afora. Sinto uma certa solidariedade. Essa noção de substituir aquilo que não serve mais me amolece o coração. Afinal, já fui na vida uma secretária com exímia datilografia e hoje…
Muito vinho na adega – sim, porque arca sem adega não é arca – e muita soja na dispensa.
E um porto seguro. Quem disse que a minha arca sairá do lugar? Viajar agora só de avião, depois que perdi – toc, toc, toc – o medo. Arca é pra ficar parada, no bem bom, vendo a marola da inundação, num porto seguro.
E algumas pessoas, pra não dizerem que quero acabar com a espécie definitivamente.
Algumas. Avulsas ou aos pares, as trincas, as quadras, enfim, podem ser turmas.
Desde que quietinhas.
Silêncio é bom e eu gosto.